Durante seu cárcere, isolada de tudo e de todos, os véus da Ilusão finalmente fizeram com que Cynthia fosse se distanciando de quem jamais poderia ter se distanciado, ela mesma! Viveu um mundo de pura ilusão e distorção, difícil mesmo até para descrever. Ilusão é a palavra que melhor descreve, em seu mais amplo sentido.
Livre do pesado lastro e dos grilhões que a mantiveram num estado de quase coma de Alma, Cynthia agora começava a recobrar a consciência, voltando aos poucos da antiga prostração. Pensava que realmente estivera morta. Não era mais ela mesma e precisava resgatar sua essência, mas não sabia por onde começar e nem mesmo para aonde ir. Sabia apenas que não estava gostando e nem suportanto ser aquela Cynthia que encontrava na medida em que ia recobrando a consciência.
Sentia-se como quem sai de uma intoxicação. Aos poucos, o efeito da droga ia cedendo espaço para a consciência e realidade; não mais aquela realidade paralela, que só ela via e vivia, como que num inferninho particular. Resumiu assim os seis longos e tenebrosos anos que viveu envolta naquela relação tóxica com Limale. Foi seu momento gosma.
Deu-se conta que demorou mais tempo para se curar do vício daquela relação doente e nefastado que da cocaína, até então, sua maior adversária. Derrotada, mas adversária.
Esse processo de desintoxicação duraria meses e ela sabia disso. Chamava-o de Túnel. Um túnel que a levaria de volta a si mesma. E lá foi ela, tal qual o Arquétipo do Enforcado (Tarot de Marseille), que se pendura em sacrifício , sabedor de que ao final teria como prêmio as Lições que traria de seu transe. Mas para isso, precisava compreender tudo aquilo que passara e os motivos que a mantiveram, por livre e espontânea vontade, vivendo aquela história de terror.
Foram longos seis meses numa angústia e incerteza que nunca jamais havia sentido. Cynthia sentia-se perdida, sem rumo, sem vontade própria. Já não era mais aquela de antes, mas ainda não era ela mesma; ainda estava no túnel, a caminho. Sentia-se sem forma, uma massa indefinida de sentimentos e emoções que estavam todas soltas, confusas e desalinhadas e sabia que teria de arrumar aquela bagunça se quisesse chegar a algum lugar. E sabia que teria de fazer isso sozinha.
Pela primeira vez na sua vida percebeu que estava sozinha e que teria de cuidar de si mesma. Até bem pouco tempo tivera a seu lado seu pai, grande amigo e parceiro. Reviveu a morte dele com a intensidade de quem chora o luto finalmente. Durante a Era Limale, não teve forças e nem tempo para viver aquela perda como ela deveria ter sido vivida. Nem isso ela se permitiu. Era dor demais ao mesmo tempo. E tudo aquilo que havia sido encapsulado veio à tona de uma só vez. Toda a dor, toda a saudade, toda a angústia de se sentir literalmente desnorteada e só.
Traída por ela mesma, era como se sentia. Destruiu o cárcere que a prendia e agora não restava nada! Tudo estava diferente, pois seu pai não estava lá, ela não estava lá. Não reconhecia nada do que via. Estava sozinha com uma Cynthia que não conhecia e de quem não gostava. Quis morrer. Teve medo. Sabia que não podia parar agora, pois da outra vez que tentou se separar voltou atrás, exatamente no mesmo ponto em que encontrava agora. Não tinha outra saída a não ser seguir em frente, ao encontro de tudo aquilo que evitara até então e que a mantivera num mundo de desamor e de autoflagelação. Encarar de uma vez por todas a verdadeira perda que retalhava seu coração era a única maneira de renascer. Junto com a morte de seu pai e a separação de Limale, ficaria uma parte dela também e isso doía como punhal na carne! Teria de se deixar morrer.
Foram dias e mais dias de lágrimas e tristeza. Semanas e mais semanas de pesar e descontentamento. Tudo o que ela podia fazer era viver aqueles sentimentos, aquela dor.
Sua vida ficou como que paralisada, era incapaz de produzir o que quer que fosse. Fazia apenas o essencial das tarefas do dia a dia. Passou semanas a fio inerte na frente do computador, navegando sem rumo na Internet, em joguinhos aonde a vida acontece virtualmente.
Em breve chegaria o Natal! E com ele, mais uma dura etapa dentre tantas batalhas que ainda estavam por vir. Decidiu que passaria o Natal sozinha. E assim o fez; e descobriu que milhares de pessoas fizeram exatamente o mesmo que ela... ficaram na Internet, em seus joguinhos. Isso a deixou simplesmente apavorada! O que estava acontecendo com o ser humano? Que solidão e isolamento eram esses que faziam com que as pessoas ignorassem a si mesmas e a seus familiares, para ficarem jogando e se pseudo relacionando através de máquinas??? Ela estava passando aquela noite sozinha, mas e as outras pessoas? Não tinham família, amigos? Sentir-se como aquelas pessoas a deixou apavorada e realmente assustada. Precisava fazer alguma coisa, urgente! Precisava reagir! Não podia fazer parte de toda aquela mediocridade.
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