quarta-feira, 26 de maio de 2010
Cynthia 9
26/05/2010.
Na espiral da vida, Cynthia sentia que ascendia a cada novo dia, a cada nova experiência interior, num fluxo e refluxo pertinentes apenas aos que se questionam e se desafiam diariamente.
Esse movimento a levava para dentro de si mesma, aonde encontrava paz e aconchego e aonde se refazia nos dias menos agradáveis, para depois ser novamente lançada para fora, para o mundo, arrebatada de si mesma e obrigada a encarar situações externas muito parecidas com o que vinha vivendo desde que se propôs a se reencontrar. Cynthia sentia como se tivesse assistindo à cenas. Pessoas estavam passando o mesmo que ela, cada uma em uma etapa. Era como se ela pudesse ver os fragmentos do seu processo "túnel", mas sem ser ela a personagem central. Interessante, no mínimo. Deus nos prega peças o tempo todo... Cada experiência por ela vivida, compreendida e assimilada era agora assistida na condição de mera expectadora, sem poder interagir.
Confirmando essa estranha sensação, recebeu a visita de Karenina. Estavam sem se falar há algumas semanas, por conta do corre-corre diário de cada uma. Naquele dia, combinaram de passar a tarde juntas, entre conversas e xícaras de café.
Karenina ainda não sabia, mas estava entrando em seu "túnel" também. Sua missão seria de resgatar-se, em algum lugar longínquo de um passado não tão distante, já que ainda não tinha trinta anos.
Cheia de vida e juventude, Karenina chegou à casa de Cynthia aparentando um cansaço que de cara chamou sua atenção e causou estranheza. Dona de uma beleza suave e agradável, com rosto de camafeu e alma de princesa, Karenina era uma daquelas irmãs com as quais a vida nos brinda raramente, que fazem a vida ficar mais interessante e com quem se quer estar nos momentos em que que tudo que precisamos é o colo e o amor de quem nos conhece na alma. Palavras não eram necessárias. Ambas sabiam do valor daquela amizade e a prezavam e preservavam como quem guarda um raro tesouro, com muito zelo e afeto.
Rescém casada, Karenina começava a enfrentar os dilemas da "vida adulta" e das responsabilidades de uma vida a dois. E estava confusa. Precisava de ajuda para tentar compreender o que queria e almejava na vida. Como Cynthia no início de seu processo, Karenina estava vivendo uma vida que não era a dela, mas não sabia o que e nem como fazer para modificar essa sensação. Estava desanimada, deprimida, apagada. Só queria dormir, apenas isso. Sua alma e seu corpo estavam cansados, como que intuindo a necessidade de descanso antes de toda longa jornada; mesmo que esta seja interna. As dificuldades do dia a dia pareciam gigantes de pedra, que a oprimiam e a deixavam sem fôlego até para raciocinar. E assim, durante algum tempo, Karenina ligou o "piloto automático"; fez tudo o que devia ser feito, mas raramente estava de corpo presente em suas ações. Agora, ignorar os fatos era impossível. Não suportava mais aquela sensação de vazio, de "não ser". Era chegado o momento de parar de se enganar, tirar os óculos com lentes cor-de-rosa e encarar a realidade, fosse ela qual fosse. Mas por onde começar, ela se perguntava incessantemente, sem conseguir vislumbrar sequer uma pista que lhe desse a direção, apontasse o caminho ou revelasse o que necessitava ser transformado...
"Para dentro!"- foi a resposta que ouviu de Cynthia. E Karenina chorou, sem ter a menor idéia de como acessaria a si mesma. Sabia apenas que tinha que fazer alguma coisa, mas não tinha idéia, não lembrava mais aonde era a entrada para seu interior. Há tempos a porta havia sido obstruída por valores e conceitos que ela mesma agora não reconhecia como seus!
- "De onde saiu isso?" - ela se perguntava, gritando. - "Quem fez essa bagunça na minha vida e eu não vi? Aonde está o culpado de tanta dor e desnorteio?
O processo havia começado, mesmo sem Karenina se dar conta. Cynthia sabia disso e sabia também que nada poderia fazer pela amiga, a não ser dar colo e ouvi-la nos momentos mais insuportáveis. Mais que isso não poderia fazer. A Perfeição divina permitiu que ela acompanhasse o processo de Karenina, a fim de melhor absorver e metabolizar tudo o que ela mesma havia passado. Mas agora ela estaria como espectadora. Sabia que sua experiência de nada adiantaria para Karenina. Seu caminho seria único, só seu e apenas ela mesma poderia traçar. Cynthia a estaria aguardando do outro lado do Túnel, de braços abertos, certa que estava do sucesso de Karenina em seu mergulho interior.
Pai José e Benedito sorriam, satisfeitos e felizes pela oportunidade que suas pupilas teriam de crescerem como espíritos. Elas não estariam sozinhas, mais uma vez.
*****************************************