terça-feira, 6 de julho de 2010

Cynthia 11



Era feriado na cidade e o dia estava lindo. Cynthia havia acordado bem disposta, mas aos poucos aquele sentimento de tédio-solidão-abandono, um misto de sensações ruins, foi vindo lá do fundo, sorrateiro, querendo estragar o dia com angústias e ansiedades descabidas. Sua vontade era acordar devagar, lentamente, com direito a muitas xícaras de café e sua leitura matinal vagarosa, para depois sentar-se ao sol e fazer as unhas descompromissadamente, vez ou outra olhando os movimentos acelerados dos beija-flores, enfim, curtindo a agradável manhã na varanda.

Foi exatamente o que ela fez, mas lutou boa parte da manhã para se convencer de que não tinha que interromper aquelas atividades agradáveis para ir ao mercadinho do bairro comprar coisas pro almoço e lanche da noite. Não sabia exatamente o porquê, mas havia travado luta árdua consigo mesma, com uma parte sua que insistia em “viver na falta”, desacostumada a olhar para o que possuía e dispunha para seu bem estar. Ficou ali, sentada ao sol, fazendo cada unha e pensando, conversando consigo mesma, como se faz com uma criança quando queremos explicar porque algo não pode ser desse ou daquele jeito. Seu instinto dizia para parar com tudo que estava fazendo e ir comprar as coisas que estavam faltando, mas ela nem se dava conta do que era. Apenas sentia que faltava algo, que com o que tinha em casa não poderia passar o dia agradavelmente. E lutou bravamente. Seguiu as orientações de sua voz interior, que dizia para ela ficar quieta e em breve aquela ansiedade passaria. Perguntava-se se estava tendo um ataque de Pânico ou uma dessas loucuras contemporâneas advindas da solidão e tristeza dos dias modernos.

Para sua grata surpresa, o dia foi tranqüilo e em paz, cheio de prazer e bons momentos. Descobriu-se cantarolando enquanto pendurava ao sol as roupas que havia lavado. Ficou feliz em dar uma volta pelo jardim, admirando o azul anil do céu, namorando cada nova flor desabrochada, sempre cercada de seus cães, que corriam animados ao acompanhá-la. Cynthia precisava aprender a olhar para o que tinha em mãos, a disposição, pois sempre que fazia isso descobria que tinha exatamente o que necessitava para ser feliz. Hoje não podia ser diferente. Quando sentiu fome, esquentou o gostoso almoço que sobrara do dia anterior e comeu com prazer na mesa da varanda, enquanto se dava conta de quão feliz estava. Seu desânimo devia-se tão somente ao fato de que ela insistia em se sabotar, agindo diferentemente do modo que a deixava feliz. Sem motivos faltou as aulas de Yoga. Sem motivos parou de escrever, deixando de lado um romance que sabia ser belo e potencialmente fadado ao sucesso. SABOTAGEM, era isso. Estaria ela com o medo doentio, medíocre e inconsciente de ser feliz, de “dar certo”? Se se sentia tão bem acordando cedo, lendo e estudando enquanto tomava seu café, praticando Yoga, escrevendo seu romance e administrando seus negócios, por que, então, simplesmente abandonava essas atividades, essa rotina saudável e essencial para seu bem estar e dava lugar à prostração e a falta de continuidade nas coisas?? Por quê?

Deleitando-se na rede após o delicioso almoço, Cynthia se deu conta de tudo isso e de como precisava se vigiar constantemente a fim de não cair em suas próprias armadilhas. Decidiu que o dia seguinte seria um novo recomeço. Mais um, é verdade. Sua vida era feita de recomeços, repleta de renasceres e reinícios. Essa era ela e não iria e nem queria fugir de si mesma. Sabia que ela demandava atenção e cuidados intensos. Sua missão era essa... cuidar de si mesma, como se fosse uma irmã mais nova e inexperiente a quem se deve orientar.

Seu Mestre lá estava para intuí-la em pensamento, sabiamente elencando as providências que deveriam ser tomadas, uma a uma, como uma lista de tarefas. Cynthia riu consigo mesma, mas sabia que obedecer era a única opção que tinha se quisesse realmente se transformar na escritora feliz e mulher realizada que sabia ser. Havia consultado os Astros e confirmado que esse seria o ano ideal para escrever muito, para produzir loucamente, dando forma a todas as suas personagens, libertando-as e libertando-se através delas.

K sabia que teria trabalho pela frente e que apenas com Cynthia equilibrada e saudável o Plano seria possível. Sabia melhor do que ninguém que a disciplina era um desafio para ela e que apenas disciplinada Cynthia poderia realizar tudo o que trazia em si para ser criado, tudo que estava aguardando para nascer, amadurecendo, a cada nova atitude de amor próprio que Cynthia tinha consigo mesma. Sabia que a auto-estima a disciplina eram seus pontos fracos e não daria trégua, começando sua “doutrina” imediatamente, dessa vez, mais rígido, para não correr o risco de haver desânimo.

Cynthia terminou a tarde regando as plantas e tomando uma boa xícara de café fresco. Agradeceu mentalmente a Deus pelo dia perfeito e a K pelas sábias lições e conselhos cheios de amor e carinho. Foi tomar seu banho para iniciar uma noite relaxada e tranqüila; estava certa de que conseguiria retomar a semana com o vigor de antes. Amanhã recomeçaria sua rotina mais uma vez, mais leve e feliz. Havia feito as pazes consigo mesma.

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